Debate presidencial é marcado por acusações mútuas
17 de outubro de 2022
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL) lançaram mão do arsenal de acusações mútuas e chamaram um ao outro de mentiroso no primeiro debate do segundo turno das eleições, promovido por Folha, UOL, TV Band e TV Cultura, no domingo (16).
Lula reforçou mensagens para atacar incompetência do rival e má gestão na pandemia de Covid-19 e na economia, enquanto Bolsonaro insistiu na estratégia de vincular o petista à corrupção. O ex-presidente repetiu críticas à Operação Lava Jato, que o levou à prisão —suas condenações foram depois anuladas.
Apesar das falas duras, o clima foi no geral moderado, com ambos mantendo o tom de voz baixo, esboçando sorrisos irônicos, evitando agressividade e se movimentando em direção às câmeras para conversar com os eleitores.
Ao longo do debate, Lula pediu quatro direitos de resposta por falas de Bolsonaro que considerou ataques à honra, e um foi concedido. O atual presidente solicitou dois pedidos, que não foram atendidos.
O petista acabou administrando mal seu tempo no último dos três blocos, permitindo que Bolsonaro falasse por mais de 5 minutos ao final.
Ao discorrer sobre corrupção, Bolsonaro recebeu ajuda nos intervalos do ex-juiz Sergio Moro (União Brasil), que acompanhava a equipe. O senador eleito pelo Paraná e ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, com quem estava rompido, municiou o candidato com dados. O vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) também orientou o pai, principalmente com dicas para andar pelo cenário e olhar para as câmeras.
A estratégia detonada pelo PT horas antes do evento, de vincular Bolsonaro a pedofilia após a fala de que "pintou um clima" com "menininhas de 14 e 15 anos", foi diluída no debate, depois que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) impediu a candidatura de continuar fazendo a associação.
Bolsonaro afirmou que Lula e aliados são "especialistas em pegar vídeos" e cortar trechos para atacá-lo, em referência indireta ao caso explorado no fim de semana contra o presidente. O petista riu e rebateu, dizendo que é o lado do presidente que adota essa linha e distribui fake news.
Lula também aludiu ao episódio ao lembrar que o rival fez uma live na madrugada do domingo para se explicar sobre a fala. Foi Bolsonaro quem levou o assunto explicitamente ao palco, para acusar a campanha petista de mentir. Ele chegou a ler trechos da decisão do presidente do TSE, Alexandre de Moraes, com quem antagoniza, e ressaltou frase que fala em "conteúdo sabidamente inverídico".
O presidente afirmou que Lula tenta atingi-lo no que ele tem de mais "sagrado, defesa das famílias e das crianças". O petista usou no terno um broche da campanha Faça Bonito, de combate à violência sexual contra crianças e adolescentes.
Ao tratarem de desinformação, Lula relembrou disputas eleitorais passadas. "O nível era outro, era um nível civilizado. A verdade sempre prevalecia. A gente debatia o futuro do país", afirmou.
Os dois postulantes evitaram se comprometer efetivamente com o combate a notícias falsas, após pergunta sobre o baixo nível da campanha no segundo turno. As duas candidaturas tiveram conteúdos removidos por ordem da Justiça Eleitoral.
Atacando o descaso e a negligência de Bolsonaro com a pandemia, o ex-presidente indagou se o rival "não carrega nas costas um pouco do sofrimento dos brasileiros" por ter atrasado a compra de vacinas. "Não quis comprar porque não acreditava", disse.
Bolsonaro argumentou que não havia vacinas disponíveis inicialmente e citou que seu governo adquiriu mais de 500 milhões de doses. "O Brasil foi um dos países que mais vacinaram no mundo e iniciou a vacinação mais rápido", disse.
Lula afirmou que Bolsonaro "não cuidou, debochou, riu [...], brincou com a pandemia e com a morte", ao, por exemplo, imitar pessoas sem ar e incentivar o uso da cloroquina. "Você não quis entender o sofrimento do povo." O candidato à reeleição retrucou, lembrando a afirmação de Lula em 2020 de que "ainda bem que a natureza, contra a vontade da humanidade, criou esse monstro chamado coronavírus".
O presidente introduziu o debate sobre segurança pública aludindo à transferência de líderes da facção criminosa PCC, como Marcos Camacho, o Marcola. Bolsonaro buscou vincular o adversário ao PCC, perguntando se governos petistas não transferiram presos do grupo por "simpatia" a eles.
"Eu sou o único candidato a presidente da República que tem coragem de entrar numa favela sem colete de segurança", disse o petista, dizendo que "o Bolsonaro é amigo dos milicianos". O ex-presidente negou relação com criminosos do Alemão e disse que ali moram trabalhadores e famílias.
Em desvantagem no Nordeste, Bolsonaro tentou desgastar Lula com o eleitorado da região com críticas ao petista por não ter finalizado a transposição do rio São Francisco. "O senhor promete o tempo todo. Prometeu levar água para o Nordeste e agora está prometendo picanha e cerveja. O senhor não fica vermelho com essas propostas mirabolantemente mentirosas?", questionou o presidente.
Lula ironizou "a cara de pau desse cara" ao rebater a fala de Bolsonaro. O petista disse que a maior parte das obras (88%) foi feita nas gestões do PT, que iniciaram o projeto. "Você acha que o nordestino que está vendo a gente na televisão acredita que você levou a água?", disse.
Os dois se desentenderam ao discutirem temas como desmatamento e educação, com guerra de dados. O ex-presidente exaltou feitos de sua gestão, e o atual mandatário tentou desmenti-lo.
Em pergunta sobre as emendas de relator no Congresso, Bolsonaro afirmou ter vetado a medida e listou 13 deputados do PT que receberam a verba. "Eu não tenho nada a ver com o orçamento secreto", disse ele, ignorando que as emendas de relator tiveram o aval da Presidência.
Indagado sobre corrupção e o escândalo da Lava Jato, Lula tentou desviar, citando avanços da Petrobras em seu governo e o reforço dos mecanismos e instituições de investigação. E contra-atacou, expondo os sigilos de cem anos impostos por Bolsonaro a temas delicados para si e seus aliados.
"Não tenho nenhum problema de explicar o petrolão e o petrolinho. [...] Se houve corrupção na Petrobras, não precisava ter quebrado as empresas. Prendesse quem roubou e deixasse as empresas trabalhando", disse Lula.
Durante o programa, Bolsonaro consultou anotações em papel e ficou em silêncio em diversos momentos em vez de engatar uma fala logo após Lula. Por ter esgotado seu tempo de fala antes que o rival, Lula não teve como rebater acusações de Bolsonaro ligando o petista a Daniel Ortega, da Nicarágua, com o fechamento de igrejas, e a Nicolás Maduro, da Venezuela, com o autoritarismo e a miséria.
Lula usou tempo de direito de resposta para trazer à tona as denúncias de "rachadinha" contra a família Bolsonaro e a compra de imóveis em dinheiro vivo por parentes do presidente.
Nas considerações finais, ele lembrou que reafirmou a liberdade religiosa quando foi presidente. "O meu adversário é efetivamente o cara que tem a maior cara de pau para contar inverdades aqui", disse Lula, chamando o rival de "pequeno ditadorzinho" por querer aparelhar o STF.
Folha de São Paulo.